Odeio funerais. Calculo que a maior parte das pessoas também não goste. Tento evitá-los os mais possível, tanto que, em menos de um quarto de século de vida só fui a três. Dois deles porque era inevitável, familiares demasiado próximos e este último, por questões relacionadas com a distância e porque não queria que a mami fosse sozinha. Os filhos também servem para estas coisas, não é só para pedir dinheiro.
Já não me lembrava o que é ver as pessoas a sofrer pela perda de alguém próximo. Isso custa. E custa também imaginar que aquela pessoa ali a chorar podia ser eu e que aquele pai ali deitado com ar de morto, podia ser o meu. Mas são pensamentos que depressa têm que nos abandonar, porque aquela não é a nossa realidade, e a lei da vida diz-nos que chegará a nossa vez. Também acontece que, por vezes, a lei da vida é uma parva e troca-nos as voltas. Nunca sabemos.
Há uma série de procedimentos e coisas que se fazem que para mim não fazem grande sentido e outras que eu nem sabia, como não abandonar o morto.
Eram 8h30 da manhã e estava frio,
Filha do defunto: Vamos ali à cafetaria beber qualquer coisa quentinha.
Mami: mas não vamos todas, vão primeiro vocês as duas que eu vou depois. Não vamos deixar aqui o corpo sozinho.
Eu: Oh mãe, mas ele não foge...
Não, eu não disse aquilo, foi só uma enorme tentação de o dizer, mas o respeito por alguém que sofria fez-me estar calada.
E não nego também, os pensamentos que me assolaparam quando por alguns momentos fiquei sozinha na morgue com o morto. Sou uma medricas é o que é...